5 de julho de 2022
Matéria Estadão.
Recentemente, a discussão acerca da cobrança para despacho de bagagens no Brasil voltou à tona em razão da aprovação, por parte da Câmara dos Deputados, da Medida Provisória (MP) nº 1.089. A MP apresentou diversas alterações nas normas aéreas nacionais, incluindo o trecho referente ao fim da cobrança no despacho de bagagens, que havia sido inserido por emenda parlamentar e que foi vetado pelo Presidente da República.
Mas não é só isso. Após algumas mudanças e outros vetos presidenciais, a Lei nº 14.386/22, mais conhecida como Lei do Voo Simples, foi sancionada e traz normas que buscam conceder maior facilitação, eficiência e desenvolvimento ao setor aéreo e com custos menores, por meio da modernização e simplificação de regras já obsoletas, que dificultavam o desenvolvimento aéreo no país.
Dentre diversos pontos, a Lei corrobora a ideia de que os serviços aéreos são considerados como atividade econômica de interesse público e buscam eliminar alguns trâmites burocráticos para a operação das companhias aéreas.
Seguindo essa linha de raciocínio, a aviação passa a ser reconhecida como um ramo de negócios como outro qualquer, sendo extinta a necessidade de concessão para exploração dos serviços aéreos. Essa nova regra traz a possibilidade de que qualquer interessado, agora, possa explorar o setor, desde que cumpra os requisitos estabelecidos pelas autoridades, aumentando assim, a oferta do serviço à população.
Para promover ainda mais desenvolvimento à aviação civil, a Lei também autoriza a realização de parcerias público-privadas (PPPs) em oito aeroportos regionais no Amazonas, trazendo assim maior mobilidade e integração aérea, sobretudo em áreas de difícil acesso como as comunidades atendidas na Amazônia Legal.
Outro ponto importante trazido pela Lei é a dispensa de autorização prévia para funcionamento de empresas estrangeiras que poderão ter uma livre atuação no país. Além disso, também houve uma redução da tarifa aeroportuária nos principais aeroportos, o que poderá acarretar a redução do custo final das passagens.
A Lei também retira a necessidade de um novo processo de certificação de aeronaves que foram fabricadas no exterior e que tenham um extenso histórico operacional. Dessa forma, as certificações estrangeiras reconhecidas passam a ser suficientes para permitir a operação da aeronave no Brasil, gerando assim, economia às companhias aéreas.
Uma outra interessante alteração foi a possibilidade de as companhias aéreas barrarem passageiros ditos como indisciplinados, possibilitando que as empresas se recusem a vender bilhetes, por até 12 meses, aos passageiros que tenham praticado algum ato considerado gravíssimo.
Trata-se de uma regra importante para reforçar a ideia de autoridade da tripulação durante o voo, de modo a garantir maior eficiência na prestação dos serviços por parte das companhias aéreas, evitando as ocorrências de eventos que possam prejudicar a pontualidade e a segurança dos voos.
Além disso, foram regulamentadas questões pertinentes aos praticantes de aerodesporto, como o voo livre, ao uso de drones e ao fornecimento de informações dos passageiros pelos prestadores intermediários de compra de passagens (agências de turismo), de modo a promover a facilitação de contato com os consumidores em casos de alterações nos voos.
A perspectiva é que todas essas mudanças possam ensejar uma queda nos preços e até mesmo atrair a vinda de companhias baixo custo ao Brasil, as famosas “low cost”. Essas companhias costumam oferecer baixas tarifas, eliminando custos derivados de serviços tradicionais ofertados aos passageiros (como o despacho de bagagens, por exemplo), baseando-se na simplicidade do serviço, sem distinção de classes. Já no que diz respeito ao despacho gratuito de bagagens, como proposto anteriormente por emenda parlamentar, não há dúvida de que representaria um grande retrocesso caso aprovada.
Rememorando, no passado, todos os passageiros de voos domésticos tinham o direito a despachar gratuitamente uma mala de 23 kg e os de voos internacionais até duas malas de 32 kg cada. Com o advento da Resolução da ANAC nº 400, publicada em 2016, foi trazida a regra da cobrança por despacho, por meio da qual as companhias aéreas passaram a poder cobrar pela bagagem despachada.
Para regulamentar a matéria, à época, a ANAC estabeleceu que as companhias seriam obrigadas a deixar claro os direitos que cada tarifa ofereceria, bem como todos os custos adicionais. E de acordo com tal regulamentação, os passageiros passaram a ter garantido o transporte de bagagens de 10 (dez) quilos, de forma gratuita, dentro da cabine.
É importante destacar que o despacho de bagagem não é um serviço gratuito às empresas de transporte aéreo, uma vez que há custos agregados como a contratação de funcionários específicos para tais funções, equipamentos e sistemas tecnológicos e adequados para análise, acompanhamento e manutenção das bagagens, consumo adicional de combustível, dentre outros.
Decorre disso a necessidade de a companhia aérea cobrar pelo custo que o serviço representa, podendo, ainda, oferecer determinados benefícios de acordo com a classe da passagem. Por outro lado, cabe ao consumidor optar pelo serviço e tarifa que melhor lhe atenda, sem que lhe seja atribuído e embutido no preço final um serviço que nem todos usufruem.
Além do mais, tendo em vista o princípio da livre concorrência e o regime de liberdade tarifária, as companhias aéreas têm a liberdade para estabelecer o valor da remuneração a ser cobrada dos seus clientes mediante a contraprestação dos serviços, de acordo com a demanda e suas estratégias empresariais na gestão das atividades, sob a fiscalização do órgão regulador competente.
Portanto, eventuais regras que obriguem as companhias aéreas a prestar um serviço adicional de forma gratuita, confronta, de forma clara, o princípio da liberdade tarifária das empresas.
Veja-se que o princípio defende justamente que as companhias aéreas analisem as situações de forma individual e tracem a melhor estratégia comercial para atraírem seus clientes, baixarem seus preços e conseguirem se manter competitivas e eficientes nesse mercado tão dinâmico e que, inclusive, foi um dos mais afetados pela pandemia que assolou o mundo nos últimos anos.
Vale ponderar, ainda, que apesar de ser importante e necessário assegurar os direitos adquiridos pelos consumidores brasileiros, não se pode perder de vista a necessidade de se manter um mercado competitivo e equilibrado em termos econômicos, capaz de alavancar o Brasil no cenário mundial, contribuir com melhorias no aspecto social, criando empregos, gerando renda e até mesmo facilitando o acesso da população aos serviços de transporte aéreo.
Conclui-se, assim, que as mudanças apresentadas pela Lei do Voo Simples, visando à desburocratização do serviço aéreo, são de extrema importância e, por óbvio, são muito bem-vindas pelo setor, principalmente no contexto atual pós crise. Em contrapartida, não há como se admitir retrocessos, como é o caso da obrigatoriedade do despacho gratuito, que carrega uma falsa impressão de benefício ao consumidor, mas na verdade, acaba por onerá-lo, já que o custo de tal serviço certamente refletirá no bolso dos passageiros.